Quando o arquiteto e urbanista Lucio Costa disse que "o céu é o mar de Brasília", resumiu em poucas palavras a relação da capital federal – que ele mesmo desenhou – com o céu.
Nas cidades litorâneas, admirar o oceano é um hábito de turistas e de nativos. Em Brasília, o nascer ou o pôr do sol são contemplados diariamente por grande parte da população.
Um dos mirantes mais frequentados é o da Praça do Cruzeiro, no Eixo Monumental. São 1.172 metros de altitude, o que favorece a vista do horizonte. Todos os dias, jornalistas da TV Globo recebem no WhastApp da emissora os registros feitos pelos telespectadores no amanhecer ou no anoitecer.
Tombamento do céu de Brasília
A admiração é tanta que já houve pedidos para que o céu de Brasília fosse considerado patrimônio. Uma dessas solicitações ocorreu em 2007 por um servidor do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
O arquiteto e paisagista Carlos Fernando de Moura Delphim encaminhou ao então presidente do Iphan, Luiz Fernando de Almeida, um documento em que pedia o tombamento do céu como Paisagem Cultural Brasileira.
O processo tramitou por anos, mas foi arquivado em 2014. O diretor do Departamento de Patrimônio Material e Fiscalização do Iphan naquele ano, Andrey Rosenthal Schlee, entendeu que as condições de tombamento não eram aplicáveis ao céu.
Preservação das escalas
No parecer de Schlee, no entanto, houve uma ressalva – a portaria nº 68, que dispõe sobre a delimitação e diretrizes para a área de entorno do Conjunto Urbanístico de Brasília. Segundo o texto, preservando as escalas da capital federal, também seria possível conservar a visão ao céu.
"Tal normativa, entre outras coisas busca garantir a 'visibilidade do horizonte a partir da área tombada' e a visibilidade do Plano Piloto a partir dos mirantes naturais existentes na cumeada da Bacia do lago Paranoá", relatou no documento.
O professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília (UnB) Cláudio Villar de Queiroz, que também já dirigiu a superintendência do Iphan no Distrito Federal, concorda com a avaliação.
"O tombamento do céu de Brasília pode ser uma homenagem a ser feita, mas se as pessoas quiserem preservar o céu de Brasília, preservem então as escalas de Brasília. (...) Porque se essa cidade tivesse crescido como Belo Horizonte ou como São Paulo, você não teria a mesma especulação sobre o céu de Brasília."
Dentre tais escalas, está a que Lucio Costa estabeleceu no relatório do Plano Piloto. De acordo com a escala, os prédios residenciais deveriam ter até seis andares.
Quais os diferenciais?
Mas o que faz do céu de Brasília tão especial, digno de solicitações de tombamento? Algumas características apontadas com frequência pelos admiradores do "mar brasiliense" são as cores fortes, tanto do azul quanto do amarelo.
O professor de física da UnB George Sand Leão A. de França explica: "A luz do Sol, quando vem, com toda a sua faixa de frequência – e a faixa de frequência estabelece uma questão de cores também – entra [na atmosfera], muda o seu índice de refração e vai expandir só em uma cor, que é a cor azul."
O amarelo colorindo o céu tem o mesmo fundamento, segundo França. "Por que o céu no final da tarde fica amarelo? É porque aí você já tem uma mudança, o raio já começa a mudar um pouquinho a sua direção e vai expandir na cor amarela."
A seca
Grande vilão dos alérgicos respiratórios em Brasília, o clima seco é, por outro lado, um componente da beleza do céu na capital federal, de acordo com o professor de física.
"É como a gente fala. Onde fica o melhor ponto para visualizar o céu? É no deserto."
"Eu estive no Arizona, são regiões mais secas. Na hora que você começa a ter mais nuvem, aí você começa a ter meios que atrapalham até esse céu tão limpo, porque a refração que vai estar lá talvez possa atrapalhar um pouquinho de você ver isso com tanta clareza", diz França.
Altitude
Pela perspectiva da arquitetura, o professor Queiroz lança luz sobre outros aspectos.
"[Em Brasília] a gente está numa altitude melhor, onde a gente consegue ver mais o horizonte do que outras cidades. Igual se você está num edifício. Num edifício, você consegue ver com mais facilidade, tem uma extensão maior para ver a beleza. E a gente tem essa facilidade em Brasília."
A capital federal fica a cerca de 1 mil metros do nível do mar e tem relevo predominantemente plano. A Praça do Cruzeiro é o ponto mais alto no Plano Piloto, com 1.172 metros de altitude. Para se ter uma comparação, Goiânia, distante cerca de 200 quilômetros de Brasília, está a uma altitude de 749 metros.
Mas o fato de a capital federal estar inserida nessas condições geográficas não é ao acaso. Na análise de Queiroz, foi preciso "sensibilidade" do time de arquitetos que liderou a construção de Brasília para erguer a cidade sem agredir o terreno.
"A coisa que mais me impressiona em Brasília é que tanto Niemeyer quanto Lucio Costa (...) reconheceram neste lugar uma paisagem incomum, peculiar, selecionada e rara."
Fonte: G1/Distrito Federal