Muito antes do Congresso Nacional, da Esplanada dos Ministérios ou da arquitetura moderna de Niemeyer, Brasília começou a nascer em um lugar simples, improvisado e cheio de vida: a Cidade Livre. Pouco conhecida por quem vê a capital apenas pelos cartões-postais, a Cidade Livre foi o primeiro assentamento urbano do Distrito Federal e abriga uma parte essencial da história da construção de Brasília.
Hoje, onde está o bairro chamado Núcleo Bandeirante, já viveu a efervescente Cidade Livre — um espaço de resistência, comércio, moradia e cultura popular. Conheça a história dessa comunidade que ajudou a transformar um sonho em realidade.
Como surgiu a Cidade Livre
No final da década de 1950, quando o governo federal deu início às obras de Brasília, milhares de trabalhadores — os famosos candangos — migraram de todas as partes do Brasil para o Planalto Central. Era preciso, então, criar um espaço para abrigar esses operários, além de prestadores de serviço, comerciantes e servidores públicos que estavam chegando à nova capital.
Assim nasceu a Cidade Livre, em 1956, com o apoio do então presidente Juscelino Kubitschek. Ela foi planejada como uma cidade provisória, para durar apenas o tempo da construção de Brasília. O nome “Cidade Livre” veio do fato de que os comerciantes não precisavam pagar impostos ou alvarás para trabalhar ali — era, literalmente, uma cidade livre de taxas.
Uma cidade em ebulição
A Cidade Livre tinha de tudo: mercados, bares, padarias, oficinas, barbearias, igrejas, escolas improvisadas, pensões, cinema e até prostíbulos. A vida era intensa e caótica. O comércio funcionava 24 horas por dia para atender os turnos dos operários. As casas eram simples, de madeira, construídas rapidamente para abrigar os recém-chegados.
Apesar das dificuldades e da infraestrutura precária, a Cidade Livre era um lugar de forte solidariedade e espírito comunitário. Muitos dos que ali viveram dizem que, mesmo com a poeira, a falta de água e luz e os barracos de madeira, havia ali um sentimento de propósito coletivo: construir a nova capital do Brasil.
Do improviso à permanência
Com a inauguração oficial de Brasília em 21 de abril de 1960, o governo pretendia desmontar a Cidade Livre, realocando seus moradores para outras áreas planejadas. Mas muitos se recusaram a sair. Haviam criado raízes, estabelecido comércio, formado famílias.
Foi então que, em 1964, a Cidade Livre foi oficializada como Região Administrativa e passou a se chamar Núcleo Bandeirante, em homenagem aos desbravadores do interior do país. Desde então, o bairro carrega o apelido carinhoso de “Berço de Brasília”.
Patrimônio histórico e cultural
Hoje, o Núcleo Bandeirante preserva sua identidade única. Ali ainda estão casas originais de madeira, construídas na década de 1950, e o Museu Vivo da Memória Candanga, que funciona no antigo hospital da Novacap e guarda objetos, fotos e documentos da época da construção de Brasília.
O bairro também abriga moradores que viveram a transição da poeira para o asfalto — filhos e netos dos candangos, que mantêm vivas as histórias da origem da cidade.
Curiosidades sobre a Cidade Livre
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O nome “Cidade Livre” era também uma crítica ao modelo burocrático das cidades brasileiras da época. A proposta era deixar o povo trabalhar sem impedimentos.
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A região chegou a ter mais de 30 mil habitantes nos anos de maior movimento das obras.
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Os “bares da Cidade Livre” eram tão movimentados que Juscelino chegou a propor, em tom de brincadeira, a construção de uma muralha para separar os “viciados em diversão” dos operários.
A história da Cidade Livre é uma parte vital da memória de Brasília. Foi ali que a capital começou a respirar, a pulsar e a tomar forma. Muito mais do que um ponto no mapa, a Cidade Livre representa a luta, a esperança e a contribuição anônima de milhares de brasileiros que ergueram a cidade com as próprias mãos.
Preservar e conhecer essa história é reconhecer que Brasília nasceu não apenas dos projetos grandiosos, mas também da força do povo.
Alô Centro Oeste