Brasília é amplamente reconhecida por sua arquitetura modernista e pela importância histórica, mas além das linhas de Niemeyer e dos palácios do poder, o Distrito Federal guarda verdadeiros tesouros naturais pouco conhecidos: suas cavernas. Escondidas fora do circuito turístico tradicional, essas formações rochosas oferecem paisagens surpreendentes e experiências únicas de contato com a natureza – muitas vezes mais perto do que se imagina.
Ao todo, já foram catalogadas 82 cavernas no DF. A maioria delas está localizada nas regiões leste e norte do território, áreas onde predominam rochas calcárias e dolomíticas, condições ideais para a formação dessas cavidades ao longo de milhares de anos. Apesar de seu potencial turístico, o acesso ainda é restrito e a visitação limitada, sendo comum que apenas espeleólogos (especialistas em cavernas) e praticantes de esportes como rapel e escalada conheçam esses lugares.
Um dos principais polos desse patrimônio natural é a região da Fercal, que concentra o maior número de cavernas: são 33 registradas. Com solo rico em calcário, a área é usada como campo-escola desde 1987 por estudiosos e entusiastas. Um dos locais mais emblemáticos da Fercal é o abismo Fodifica — o mais profundo do Distrito Federal, com impressionantes 49 metros. Localizado no Morro da Pedreira, na divisa com Goiás, o local também é conhecido como Morro dos Urubus, por abrigar diversas aves da espécie.
As formações rochosas são desafiadoras: pontiagudas, irregulares e moldadas lentamente pela ação da água e do vento. A visita exige acompanhamento profissional, além do uso de equipamentos adequados de segurança. Segundo o guia de ecoaventura Maurício Martins, a única forma de alcançar o fundo do abismo é por meio de descida com cordas — o mesmo recurso necessário para a subida. A área é amplamente usada para treinamentos de técnicas verticais e simulações de resgates em cavernas.
O trajeto até o local já é uma pequena aventura: após 12 km de estrada de terra, os visitantes precisam passar pela Fazenda Flor da Terra, onde é cobrada uma contribuição simbólica de R$ 5. A propriedade pertence a Valdemar Neves da Silva, de 68 anos, pioneiro na região. A fazenda é uma herança de família, e embora ele reconheça o valor ambiental da área, lamenta a falta de apoio governamental. “Eu cuido da mata, não deixo matar passarinho, mas a gente precisa sobreviver. Se houvesse algum tipo de auxílio, conseguiríamos manter a preservação sem prejuízo”, afirma.
Valdemar também relata preocupações com o futuro. A seca está mais severa — a represa que abastecia o gado secou mais cedo do que o habitual — e ele já foi procurado por empresas interessadas em explorar o calcário da área para fábricas de cimento. Nos anos 1990, uma das maiores cavernas da região, o abismo 1, foi destruída por mineração.
Apesar das dificuldades, ele tem se mobilizado para receber melhor os visitantes, construindo banheiros e montando uma pequena lanchonete. Em finais de semana, chega a receber cerca de 50 pessoas por dia. No entanto, nem todos os donos de terras com cavernas se sentem confortáveis em abrir seus espaços ao turismo, seja por falta de estrutura ou por receio dos impactos ambientais.
Desafios para o turismo de cavernas
O guia Maurício Martins acredita que uma maior articulação entre órgãos ambientais e turísticos poderia destravar esse potencial. “Seria ideal que o governo ajudasse a intermediar o contato com os proprietários, criasse planos de manejo, fiscalizasse a segurança e definisse operadores credenciados”, defende.
O cenário atual é de desorganização e ausência de regulamentação. Algumas cavernas, inclusive, estão fechadas por conta de riscos à saúde. É o caso da Gruta do Sal, interditada após a detecção de histoplasmose — uma doença respiratória causada por fungos encontrados em fezes de morcegos. A mesma situação ocorreu com a famosa Gruta dos Ecos, em Cocalzinho (GO), que abrigava o maior lago subterrâneo da América Latina.
As cavernas do DF não costumam ter grandes dimensões ou ricas ornamentações, como estalactites e estalagmites. Também não abrigam muitos registros arqueológicos, diferentemente de formações em Goiás e Minas Gerais, como em Formosa, Chapada dos Veadeiros ou Unaí. Mesmo assim, essas áreas próximas também enfrentam carência de estrutura turística.
Por outro lado, a baixa visitação garante um fator positivo: a conservação. Bernardo Menegale Bianchetti, presidente do Espeleo Grupo de Brasília (EGB), destaca que essas cavernas sustentam ecossistemas únicos, especialmente colônias de morcegos fundamentais para o equilíbrio ambiental. “Se essas cavernas forem destruídas, perdemos espécies importantes para a regeneração vegetal. É um dano em cadeia — ambiental, esportivo e até cultural”, afirma.
Um convite à descoberta consciente
As cavernas do Distrito Federal continuam à margem dos roteiros turísticos, mesmo guardando riquezas geológicas e experiências únicas. Com estrutura adequada, incentivo à educação ambiental e envolvimento das comunidades locais, essas joias naturais poderiam se tornar destinos de ecoturismo sustentável, combinando preservação com geração de renda.
Brasília tem muito mais do que concreto e monumentos. Debaixo da terra, há um mundo silencioso e milenar esperando para ser explorado — com respeito, cuidado e consciência.
Alô Centro Oeste