A riqueza do cerrado subestimado no paisagismo brasileiro

Você sabia que o Cerrado é a segunda maior formação vegetal brasileira e um dos biomas de maior diversidade florística do planeta? No entanto, as espécies nativas são raras nos viveiros e os jardins e casas por aqui são, normalmente, decorados com espécies exóticas, vindas de fora.

Na contramão, o paisagismo contemporâneo busca cada vez mais expandir suas funções e contemplar não apenas a estética, mas também proporcionar qualidade ambiental, buscando equilíbrio ecológico ao ecossistema em que o projeto está inserido.

Dentro dessa narrativa, é comum encontrarmos projetos que procuram incorporar o uso de espécies nativas, em detrimento das tradicionais exóticas que dominam o mercado paisagístico.

Neste artigo, vamos apresentar para você o potencial paisagístico do Cerrado brasileiro, quais são as suas principais características e porque ele é subestimado. Acompanhe!


A savana brasileira

Árvores pequenas e retorcidas, às vezes com a casca dos troncos transformada em carvão pela passagem do fogo, em meio a um tapete de capim… Quem já viu logo reconhece o cerrado, a savana brasileira. Na África e na Austrália, os dois outros continentes em que o bioma é característico, as savanas formam paisagens muito parecidas.

Mas a semelhança é superficial, já que o cerrado tem uma biodiversidade maior a ponto de estar na lista de 34 áreas no mundo com maior riqueza de espécies, e sob ameaça de extinção.

O bioma Cerrado abrange 13 estados brasileiros, em uma área de cerca de 200 milhões de hectares, sendo a savana mais rica em diversidade do mundo e o segundo maior bioma do país. Posicionado na região central do Brasil, faz limite com a Mata Atlântica, a Floresta Amazônica, a Caatinga e o Pantanal.

Por ser um bioma bastante extenso, a vegetação do Cerrado não possui um único aspecto. É possível encontrar, ao longo de sua extensão, diversas fitofisionomias (aspectos da vegetação de uma região), nas quais há uma variedade de tipos de solo, clima e relevo.

Esse bioma conta com uma vegetação bastante diversificada, que varia das formas campestres às formações florestais densas. São encontradas no Cerrado cerca de 11627 espécies nativas, das quais 4400 são endêmicas, ou seja, existem apenas em um determinado local.

As árvores encontradas no Cerrado podem alcançar até 20 metros de altura. Em áreas de chapadões, são encontrados cactos e orquídeas. Em virtude da grande incidência solar na área abrangida por esse bioma, sua vegetação apresenta cores que variam do tom verde aos tons amarelados.

É importante ressaltar também que o bioma Cerrado compreende uma área formada por diversas bacias hidrográficas e por grandes aquíferos, representando cerca de 8% da disponibilidade de água a nível nacional.


Burle Marx e a sua paixão pelo cerrado como paisagismo

Os jardins de Burle Marx são um marco no paisagismo brasileiro. Com extenso trabalho em parceria com Oscar Niemeyer, trouxe um novo ar ao paisagismo, criando jardins mais orgânicos através do uso de curvas e de plantas nativas, explorando como ninguém as plantas do cerrado.

Burle Marx também criou um estilo novo, ao tratar jardins como telas tridimensionais. Em seus projetos, cores, texturas e desenhos se unem para criar uma experiência estética que em nada deve à arquitetura dos grandes mestres. A ruptura com as inspirações europeias que reinavam na jardinagem do país foi um dos maiores legados deixados pelo paisagista.

Como grande amante das plantas, Burle Marx viajou por todo o país explorando as vegetações e colecionou e catalogou milhares de espécies de plantas brasileiras, que empregava em seus jardins. Trabalhava com madeira de demolição nos parques e jardins que projetava, utilizando os tradicionais mosaicos e painéis de azulejos, referência da colonização portuguesa.

Em Brasilia, na Praça dos Cristais por exemplo, pode-se constatar todas essas características e ainda uma primorosa composição com plantas do cerrado, em especial os Buritis e as Guarirobas.


Quer conhecer algumas das espécies do cerrado usadas pelo mestre do paisagismo em seus projetos? Confira:

  • Guaimbé: com folhas espetaculares, gigantes e profundamente recortadas, o Guaimbé é uma planta escultural, diferente. Possui uma coloração verde escura e muito brilhante.
  • Cambará: conhecida popularmente como camará, cambará, camaradinha ou latana, é uma planta ornamental simples, mas que traz um colorido especial ao ambiente, além de ser uma planta resistente e versátil. O camará é um bom exemplo do aproveitamento econômico da biodiversidade brasileira. Pouco tempo atrás, era considerada apenas uma invasora de pastos e lavouras.
  • Jacarandá: Trata-se de uma belíssima árvore com folhas bem miúdas e intensa floração lilás no início da primavera. É largamente utilizada na arborização urbana tanto pelas características ornamentais, quanto pelas suas raízes não agressivas e pelo rápido crescimento.
  • Trapoeraba Roxa: uma das favoritas de Burle Marx para criar manchas e contrastes. É uma planta bem rústica e de fácil cultivo, que cria um diferencial no jardim que vale a pena usar, tirando partido de sua cor, um roxo intenso, perene em todas as épocas do ano.
  • Corticeira: Trata-se de uma árvore descídua e que floresce justamente quando caem as folhas, com suas “espadinhas” vermelhas que parecem flutuar em meio à galhada. Pode-se admirá-la nos famosos jardins de Inhotim, cujos espaços tiveram a mão do grande mestre.

O potencial do cerrado brasileiro

Cerca de 200 espécies nativas do Cerrado apresentam não só potencial econômico, mas também medicinal. Segundo pesquisadores da Universidade de Brasília, espécies como alfavaca, assa-peixe, mangaba, erva-cidreira e poejo possuem fins terapêuticos. Algumas dessas espécies, inclusive, já foram patenteadas por indústrias farmacêuticas.

Além disso, o potencial paisagístico da flora do cerrado é imenso. Do ponto de vista da preservação do meio-ambiente, os jardins com plantas nativas trazem diversas vantagens. Com a sua diversidade de espécies de plantas, o cerrado pode oferecer combinações que resultam em jardins floridos ao longo de todo o ano, com grande potencial de floração inclusive em períodos de seca.

A diversidade de espécies também ajuda a atrair diferentes insetos, criando um solo rico em microrganismos. Isso tudo resulta em jardins mais resistentes e equilibrados.

Destacamos 8 espécies de ampla distribuição e exclusivas do Cerrado mais apropriadas para o paisagismo, além de algumas curiosidades sobre sua ocorrência, reconhecimento e aplicabilidade de uso. Veja!


Ipê-amarelo

Embora no tamanho esta árvore seja considerada pequena (de 4 a 10 metros de altura), é na beleza e na cor de suas flores que ela chama atenção. Indiscutivelmente, é a espécie de ipê mais cultivada em praças e ruas das cidades brasileiras, atém em função do forte apelo ornamental (sobretudo quando floresce). Por causa de seu porte pequeno, tem a vantagem de ser plantada sob a fiação elétrica sem causar qualquer tipo de dano.

Além dessas características quase inerentes, a madeira dos ipês-amarelos tem vários tipos de aplicação, seja em ambientes externos (postes, peças para pontes, tábuas para cercas e currais) ou internos (na confecção de tacos e tábuas para assoalhos, rodapés, molduras entre outros).


Jerivazeiro

O jerivá é rico em Omega 3, 6 e 9 e tem muita vitamina A, entre 4 e 7 vezes mais do que o Buriti. O uso do óleo retirado das amêndoas pode ser utilizado na indústria alimentícia, cosmética e na fabricação de biocombustíveis. A planta também é uma ótima opção para impermeabilização e revestimentos. Além disso, é altamente  utilizada em projetos de paisagismo em jardins, ruas e praças e para a recuperação de áreas degradadas.

Mangaba


Mangaba

A mangabeira é uma árvore rústica que pode chegar a dez metros de altura. Sua copa larga e arredondada forma boas áreas de sombra nos períodos em que floresce e frutifica. A espécie tolera a seca e se desenvolve bem em colos ácidos e pobres e nutrientes. O fruto pequeno tem um formato similar ao da pêra, polpa branca, cremosa, de origem tupi-guarani, significa “coisa boa de comer”.

De modo geral, as flores da mangabeira aparecem principalmente de agosto a novembro, mas muitas florescem antes do tempo. Por esse motivo, há frutos nas árvores praticamente o ano todo, dependendo da região. Porém, a maior parte da produção de frutos ocorre entre outubro e abril.

Sua polpa pode ser consumida madura in natura e é matéria-prima para a produção de deliciosos produtos beneficiados como geleias, compotas, sorvetes, licores, vinho, entre outros. O tronco e as folhas da mangabeira ainda fornecem um látex conhecido como “leite de mangaba”. Tal leite tem propriedade medicinais, sendo utilizado no combate a tuberculose e para o tratamento de úlceras.


Baruzeiro

Imperiosa árvore nativa do Cerrado brasileiro, infelizmente está ameaçada devido à extração predatória de madeira, que possui reconhecida resistência e qualidade, com propriedades fungicidas. Esta planta imponente, com copa densa, pode alcançar mais de 20 metros de altura.

O seu fruto é protegido por uma dura casca e, no interior, encontra-se uma amêndoa de sabor parecido com o do amendoim, de alto valor nutricional e muito apreciada. O baru possui cerca de 26% de teor de proteínas, mais do que o coco-da-bahia e castanha de caju. O fruto pode ser utilizado integralmente, resultando em polpas de fruta, óleos, farinha, manteiga e tortas. A ele são associadas propriedades afrodisíacas. Também são conferidas ao óleo de baru propriedades medicinais e anti-reumáticas.

A casca da amêndoa também pode ser usada para a produção de carvão ou mesmo utilizada em substituição à brita em calçamento, devido à sua resistência.


Pequizeiro

Destaca-se por sua capacidade de desenvolver-se em solos pobres em minerais, a árvore pode atingir até 12 metros de altura, entretanto, essa característica depende muito do ambiente em que é encontrada.

Essa planta pode viver até 50 anos e sua floração ocorre normalmente entre setembro e novembro, e os frutos iniciam seu crescimento entre outubro e fevereiro. O pequi é um fruto muito conhecido e apreciado na cozinha local, apresentando um sabor e cheiro bastante característicos. É muito consumido em pratos típicos, como arroz com pequi e galinhada, além de serem utilizados para a produção de geleias, doces, ração e retirada e óleo.

Além do fruto ser usado na alimentação outras partes da planta podem ser aproveitadas. As folhas, por exemplo, são utilizadas no tratamento de micoses e na diminuição dos efeitos causados pela quimioterapia. Possui, portanto, propriedade terapêutica. Além disso, o tronco tem sido usado para fabricação de móveis, construção civil e até mesmo produção de carvão.


Buriti

É uma planta que pode alcançar até 30 metros de altura. A espécie é encontrada com frequência nas veredas, importante fitofisionomia do Cerrado. O buriti floresce quase o ano inteiro, mas principalmente nos meses de abril a agosto e a produção de frutos é intensa.

O buriti também fornece palmito comestível, mas pouco utilizado. O óleo da polpa é usado para frituras e sua polpa, depois de fermentada, se transforma em vinho. Também é possível encontrar produtos beneficiados como doces e picolés.

O buriti também tem um alto potencial para artesanato e ornamentação. A madeira pode ser utilizada em áreas externas da casa, as fibras de suas folhas podem ser utilizadas na confecção de esteiras, cordas e chapéus. Sua amêndoa resistente também é utilizada para pequenas esculturas.


Pau-de-leite

Chamada também é janaúba, pau-santo, tiborna, sucuuba e raivosa, a planta leiteira pode ser encontrada em diversas regiões do Brasil, principalmente no Sudeste, Norte e Nordeste, chegando até 3 metros de altura.

Devido às suas folhas e flores vistosas, é altamente indicada para ornamentação de jardins e vias públicas. Também é uma planta medicinal conhecida por suas propriedades cicatrizantes, analgésicas, anti-inflamatórias e germicidas.

Formada por grandes folhas verdes e delicadas flores, produz um látex lenhoso – matéria prima do leite de janaúba – muito utilizado em tratamentos caseiros. É muito parecida com o famoso Jasmim Manga (Plumeria rubra), com a vantagem adicional de ser nativa.


Guariroba

Da guariroba é possível se aproveitar quase tudo. O caule é utilizado como madeira na construção civil e as folhas são utilizadas na alimentação de animais e cobertura de casas. No interior dos frutos há uma castanha muito apreciada pela população local, que serve de complemento na alimentação do gado, além de ser utilizada na fabricação de doces, licores e sorvetes. Da castanha é retirado um óleo comestível, que também pode ser utilizado na indústria de sabão. Palmeira muito utilizada como planta paisagística, é comum vê-la fazendo parte de parques, jardins e praças de municípios da região Centro-Oeste do Brasil.



Fonte: Archscape