Trabalhadores não paravam de chegar para a construção de Brasília. Com a população cada vez maior — que até então se espremia nos barracões de acampamentos improvisados —, as demandas por comércio e por serviços também cresciam na mesma proporção. Como abastecer a despensa da casa? Onde cortar o cabelo? E aonde ir quando chegava a hora do almoço?
A fim de atrair rapidamente comerciantes e empresários que pudessem suprir necessidades tão básicas, o governo passou a conceder benefícios aos novos comerciantes, liberando-os de obrigações como alvará, pagamento de tributos e limitação de horário para funcionamento. Nascia a “Cidade Livre”.
Quando a Novacap começou o loteamento e a instalação da nova cidade, no final de 1956, abriu três largas avenidas e algumas ruas transversais, que inicialmente abrigaram 500 casas na região da chamada Candangolândia. As construções eram todas de madeira, e o plano inicial era derrubá-las assim que a nova capital fosse inaugurada. A Cidade Livre, porém, cresceu tanto que, após a inauguração do Plano Piloto, tornou-se uma cidade-satélite: o Núcleo Bandeirante, que ganhou esse nome depois que o presidente Juscelino Kubitschek viu diversos operários chegando à região trajando calça de brim e os chamou de “bandeirantes modernos”.
Como não poderia deixar de ser, o aumento da população concentrou grande parte do comércio de toda a região, intensificando o cotidiano da Cidade Livre. No final de 1958, por exemplo, a Novacap tratou de organizar o “dia de compras”: todas as quintas-feiras, um ônibus da companhia passava de casa em casa pegando as mulheres dos funcionários para levá-las às compras no supermercado da Cidade Livre.
Diariamente, antes de os operários partirem para o canteiro de obras pela manhã, aviões traziam jornais encomendados por Clemente Ribeiro da Luz, jornalista e locutor da Rádio Nacional que montou a primeira banca de jornais na Cidade Livre. Depois, ele comprou e equipou bicicletas para vender os jornais de obra em obra.
Durante o dia, duas cornetas suspensas num poste de madeira animavam as ruas com as músicas mais badaladas nas estações de rádio do período. Era “A Voz do Brasil”, serviço de alto-falante fixado na Primeira Avenida e muito utilizado pelas construtoras para passar seus recados aos operários, que, no horário de almoço, costumavam ir para o Serviço de Alimentação da Previdência Social (Saps), um restaurante na Cidade Livre administrado pelo senhor Vítor, um imigrante italiano.
Enquanto isso, os diretores das construtoras procuravam a agência do banco Expresso Universo, que iniciou suas atividades na Cidade Livre em cima de um caixote de bacalhau até que fosse construída sua sede de madeira. Ostentando bilhetes assinados pelo presidente da Novacap, Israel Pinheiro, ou mesmo pelo próprio presidente Juscelino, como prova de que realmente haviam obtido o direito de executar as obras, os diretores iam à agência na esperança de levantar empréstimos.
Prazer na rua Principal
Quando a noite caía, parte dos trabalhadores se recolhia com a família em seus barracos de madeira, mas a vida continuava pulsando em outros pontos da Cidade Livre, especialmente no final da rua Principal, onde ficavam os prostíbulos mais frequentados. Ali havia um conjunto de barracos brancos, dos dois lados da rua, totalizando cerca de 800 metros quadrados de boates, casas de shows e quartos de aluguel rotativo.
O principal ponto de encontro era na esquina da rua Principal, onde ficava o ponto de ônibus do Posto Cascão. Ali, as prostitutas encontravam dois tipos de cliente: os mais endinheirados, que as abordavam enquanto abasteciam seus carros no posto, e os mais pobres, que voltavam do trabalho de ônibus.
Se o dia era cansativo para os candangos que trabalhavam nos canteiros de obra, a noite provavelmente era extenuante para as mulheres que atendiam na rua Principal. Uma dessas prostitutas tornou-se lenda: Maria Tomba-Homem, assim chamada por causa do grande número de clientes que conseguia atender numa só noite.
Fonte: Memorial da Democracia